Projeto do IFSul viabiliza rede de água potável em aldeia indígena no Acre
Iniciativa, nascida no câmpus Pelotas, envolveu ações de conscientização ambiental e estudos da cultura indígena. Resultados da primeira etapa do projeto podem ser conferidos nesta semana em exposição alusiva à Semana do Índio
Ver a água saindo da torneira dentro de casa pode ser uma cena banal para boa parte da população. Para outras pessoas, no entanto, isso está longe de ser corriqueiro. A falta de acesso à água encanada e o consumo de água sem qualidade verificada eram uma realidade na aldeia Altamira Nii Yuxibu, na região amazônica do Acre. Eram.
Após o início de um projeto do IFSul na comunidade indígena, a aldeia passou a viver uma nova realidade. A ação extensionista “Água de beber para a aldeia Altamira Nii Yuxibu Huni Kui”, que começou a ser desenvolvida ainda na metade de 2018, chegou em 2019 com sua principal meta atingida: projetar e construir a primeira rede de distribuição de água potável da comunidade indígena.
“Era comum na aldeia ver as mulheres carregando baldes de água na cabeça durante o dia inteiro. E a falta de uma infraestrutura básica, como água encanada, é um dos motivos que levam habitantes da aldeia a deixarem a sua comunidade”, comenta o coordenador do projeto e professor do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental do câmpus Pelotas, Charles Huber.
A viabilização da rede de água, portanto, mais que suprir as necessidades básicas dos moradores da aldeia, constitui uma importante ação pela preservação dessa cultura. A tribo dos Huni Kui representa o maior grupo indígena dos 18 povos que vivem no Acre. Parte dessa comunidade, que se distribui em 12 terras indígenas, vive na aldeia de Altamira, localizada às margens do rio Tarauacá. Atualmente com 150 habitantes, a aldeia atendida pelo projeto agora conta com água de qualidade em todas as 24 casas da tribo.
A obra envolveu a construção de uma rede de água de quase 2,4 Km. De acordo com Charles, como entre os poços e a aldeia existe um morro de 40 metros de altura, também foi necessário instalar motobombas para o recalque da água. Para isso, foi construída uma rede de 1.130 metros de fio para levar energia até as bombas. Além disso, a rede conta com três caixas de água de 1.500 litros cada, registros, interligações com o sistema de coleta de chuva – que estão sendo usadas como reserva (mais 3.000 L) – e, o mais importante, um ponto de saída de água em cada casa da aldeia.
Projeto precisou driblar dificuldade de acesso e pouca infraestrutura
Mas levar uma infraestrutura como essa para a aldeia não foi tarefa fácil. De difícil acesso, a tribo conta com recursos viabilizados por meio de retiros realizados todo ano, em janeiro, quando turistas de diferentes partes do país podem passar um período de vivências junto a tribo. É com o dinheiro angariado nesses períodos que as principais obras de infraestrutura da aldeia foram se concretizando nos últimos anos.
Charles conta que a própria construção da rede hidráulica só foi possível porque, nos últimos anos, outras importantes obras foram realizadas no local, como construção de poços para captação de água, instalação de placas solares para geração de energia e compra de pequenos barcos para transporte de pessoas e equipamentos.
“O local mais próximo, e único, da Aldeia Altamira Ni Yuxibu é o município de Jordão, que fica a duas horas de voadeira (embarcação). O acesso ao Jordão é só por táxi aéreo (teco-teco) ou 5 dias de barco a partir do município de Tarauacá”, explica o docente. Além da distância entre as localidades, a falta de infraestrutura ao redor da aldeia também foi um empecilho, já que Jordão é uma cidade de aproximadamente 6 mil habitantes que não possui agência bancária, internet por rede telefônica e nem por TV a cabo, somente por uma limitada rede de celular.
De Altamira para Pelotas: educação ambiental e estudos da cultura indígena são desdobramentos do projeto
Com a viabilização da rede de água, uma série de ações paralelas foi desenvolvida tanto na aldeia quanto no câmpus Pelotas, onde nasceu o projeto. Além do planejamento e da construção da rede, a iniciativa, que foi renovada para ter continuidade também em 2019, divide-se em ações de conscientização ambiental e valorização da cultura indígena, bem como em pesquisas em laboratório com as amostras de água trazidas do local.
Exposição alusiva ao Dia do Índio – Uma das ações culminantes do projeto, inclusive, será realizada nesta semana no câmpus Pelotas. Em alusão ao Dia do Índio, a unidade receberá ao longo de toda a semana, até o dia 18 de abril, uma exposição com fotografias, vídeos, artesanatos e outros registros relacionados ao projeto desenvolvido na aldeia.
De acordo com Charles, a própria concepção do projeto foi pensada para atender a Lei Federal nº 11.645/2008, que determina a inclusão da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar oficial das redes de ensino pública e privada do país. “Na maioria das vezes, esses assuntos não são abordados em virtude da falta de trabalhos que sirvam como base ao desenvolvimento do tema em sala de aula”, destaca o docente. Segundo ele, o projeto também contribuirá com a retomada dos trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) do câmpus Pelotas.
Meio ambiente – Além dos estudos relacionados à cultura indígena, o projeto também levou discussões ambientais para a aldeia e para o próprio câmpus. A partir de jogos, palestras e outros recursos didáticos desenvolvidos junto a professores e bolsistas envolvidos na iniciativa, as crianças e adultos da aldeia tiveram momentos voltados à troca de saberes – a partir de rodas de conversa e atividades de expressão artística – sobre as questões ambientais relacionadas às formas de conservação e manejo da água, bem como os diferentes usos do solo.
Regionalização do projeto – Como continuidade ao projeto iniciado em 2018, Charles conta que os próximos passos da iniciativa serão ainda mais amplos, focando na educação ambiental como um todo e na regionalização do trabalho desenvolvido. O docente destaca que a ideia agora é iniciar contato com um assentamento Guarani na cidade de Rio Grande e fazer um diagnóstico das necessidades da aldeia para o desenvolvimento do projeto. “Posteriormente também pretendemos contatar outros assentamentos da região. Além de trabalharmos com a temática ambiental de forma ampla, é uma oportunidade de incentivar a participação deles nos processos seletivos do instituto, buscando a inclusão e mais uma oportunidade de acesso à educação. É uma forma de ir ao encontro do papel da instituição de regionalizar as suas ações dentro da questão indígena”.
Fotos: Charles Huber e Vinícius Waltzer (última imagem)
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