Pesquisa de estudante do IFSul mostra a importância dos escravizados no processo de formação do Rio Grande do Sul e é premiada na Febrace
O estudante Lucas Corrêa da Silva do câmpus Sapiranga, orientando do professor Valter Lenine Fernandes, foi premiado pelo trabalho “As áfricas do Rio Grande do Sul: Porto Alegre e os assentos de batismo dos escravizados (1797-1802)”
Em 1798, mais da metade da população de Porto Alegre era formada por pessoas pretas, incluindo escravizadas cativas e libertas. Essa informação, que pode surpreender a muitas pessoas, faz parte dos dados obtidos pelo estudante do câmpus Sapiranga, Lucas Corrêa da Silva, em sua pesquisa “As áfricas do Rio Grande do Sul: Porto Alegre e os assentos de batismo dos escravizados (1797-1802)”.
Foi com esse trabalho que o jovem de 18 anos pôde mostrar a importância das pessoas escravizadas no processo de formação do Rio Grande do Sul, ganhando o 1º lugar na categoria Ciências Humanas, na 20ª Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace). Além disso, Lucas conquistou o prêmio Museu Paulista da USP e uma credencial para participar da Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec). Lucas, que é estudante do curso técnico integrado em eletromecânica, foi orientando do professor de história, Valter Lenine Fernandes.
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Lucas explica que sua intenção, como o título sugere, foi compreender as Áfricas no Rio Grande do Sul, “tanto as conjecturas gerais da Capitania do Rio Grande de São Pedro e os aspectos específicos dos escravizados e escravizadas, tais quais suas origens, famílias, identidades e relações de compadrio”.
Segundo o professor Valter, além de demonstrar a importância dos escravizados africanos no processo de formação do Rio Grande do Sul, o trabalho ajudar a entender os escravizados não “como um bloco monolítico, mas com origens diversas do continente africano”. O professor acredita que essa pesquisa possa diminuir a ideia de que os descendentes dos escravizados africanos sejam um povo único, mostrando que são formados por várias etnias. Ele também espera que o estudo contribua para “diminuir o racismo em nível regional e quem sabe no âmbito nacional”.
Para Lucas, a pesquisa pode contribuir para “a história preta no RS, permitindo, individual e coletivamente, o desenvolvimento de uma identidade étnica e histórica pela população afro-brasileira e a correção de erros na nossa percepção sobre a formação gaúcha”.
O estudante também deseja que seus estudos ajudem as pessoas a reconhecerem o racismo e a necessidade de se lutar contra ele:
“Pode trazer fontes confiáveis e um saber adquirido de forma metódica num cenário virtual caótico e desinformativo. Pode incentivar novas pesquisas, a ciência, principalmente na área da história no ensino médio. É possível que alunos transcrevam documentos antigos e trabalhem com uma historiografia no nível da graduação”, prevê. Professor e orientando esperam contribuir, sobretudo, com o ativismo antirracista.
Nesse sentido, Valter acredita que seja importante destacar, nesse processo, a importância do financiamento para as pesquisas na área de Ciências Humanas e o fato de um discente do ensino médio integrado produzir um conhecimento histórico de reconhecimento nacional.
MOTIVAÇÃO
O professor Valter destaca que a pesquisa foi motivada primeiramente pela ausência de uma consciência de um ensino antirracista no câmpus Sapiranga e, segundo, por uma consolidação das políticas do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) no contexto regional.
Realidade que Valter se esforça para reverter, tanto que Lucas relata ter sentido o desejo de se aprofundar nesse tema justamente a partir de debates presentes no câmpus, nas aulas, experiências compartilhadas pelo professor Valter e, também, em suas próprias leituras em 2020:
“O motivo primeiro foi o reconhecimento da história enquanto meio elementar de compreensão da realidade e da possibilidade de transformação da mesma. Depois disso, mensurei a história colonial tal qual o cerne da contemporaneidade brasileira, tão distante temporalmente, mas também tão presente em seus resquícios. E que outro componente mais caracteriza a colonização senão a escravidão? Parte daí e do claro apagamento da história e da memória preta em função do racismo estrutural a escolha do tema e duma luta, a científica e antirracista”, detalha.
Para o estudante, o trabalho colabora para contribuir com a luta antirracista na produção e disseminação de conhecimento, e, em relação ao objetivo formal de entender as Áfricas no Rio Grande do Sul. “Tivemos êxito para uma fração delas, com destaque para as origens. Ainda há muitos avanços a serem feitos. Podemos expandir o período de análise, aumentar o arcabouço historiográfico, refinar a metodologia com novas análises, inclusive qualitativas, como também avançar sobre outras cidades e fazer comparações. Há especialmente a extensão para a propagação ampla do trabalho, o que significa realizar o seu sentido propriamente dito”, planeja.
CURSO DE EXTENSÃO
Desta forma, a perspectiva agora é fazer um curso de extensão a respeito da temática para continuar lutando pela interiorização da produção histórica. O que isso significa? Valter explica: “Estamos em uma região periférica da cidade e da região metropolitana de Porto Alegre, nesse caso, a extensão é uma possibilidade de ofertar um conhecimento produzido no câmpus, articulado com centros de referência de produção histórica. Nesse sentido, pretendemos continuar a nossa pesquisa, convidando pesquisadores de outras instituições para compor um curso sobre História das Áfricas no Rio Grande do Sul”, diz.
Empolgado em seguir no projeto, Lucas prevê lives pelo YouTube com professores especializados sobre a história da África e das Áfricas no Brasil, num formato de curso, passando por uma série de temáticas, como a antiguidade africana; as religiões de matriz africana; a escravidão colonial, imperial e a resistência; o pós-abolição; o ativismo antirracista; as desigualdades raciais; ações afirmativas; o feminismo preto, entre outras possibilidades. “Acredito que a experiência com um projeto de ensino vai nos permitir fazer isso. Sonhamos em transformar os resultados em um livro, o que já estamos trabalhando para o conteúdo do Projeto de Ensino”, projeta.
Para o estudante essa experiência com a iniciação científica está sendo transformadora: “se tornou meu cotidiano e sonho. Minhas perspectivas de futuro, experiências e contribuições para a sociedade nunca seriam as que são sem o exercício científico e o incentivo a isso”, afirma.
PORTO ALEGRE
A pesquisa foi feita com foco em Porto Alegre, segundo Lucas, porque Rio Grande do Sul e simetricamente Porto Alegre são vistos como espaços de colonização europeia. “Isso é uma mentira, sintoma de políticas e percepções racistas ao longo da história. A trajetória humana, no tempo, na espacialidade sul-rio-grandense e de Porto Alegre é também africana”, afirma o estudante. A escolha de Porto Alegre movimenta-se na direção de demonstrar isso, além da possibilidade prática com os documentos encontrados, o que é raro em relação a fontes relativas aos escravizados, segundo o pesquisador.
Conforme o professor Valter, além do acesso à documentação, pesou o fato de Sapiranga, geograficamente, estar na região metropolitana de Porto Alegre. “Entender a historicidade da escravidão, na atual capital do Rio Grande do Sul, significa pensar estratégias para uma educação antirracista nas cidades que estão ao redor e que estão interligadas economicamente, culturalmente e politicamente ao mundo do trabalho de Porto Alegre”.
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